segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

SACERDOTISA




SACERDOTISA
O aparato na cabeça em forma de crescente lunar; o olhar de entendimento e mistério; a mão sobre a boca, num gesto de silêncio; a roupa em muitas camadas a transformar as formas do corpo; o cenário ao fundo, em dualidades como reflexos num espelho; a cor do piso a lembrar a cor das águas mais profundas; e a figura diabólica, a escapar-lhe dos vãos das vestes, com seu olhar de lascivos segredos... Tudo nessa personagem do teatro oriental se assemelha, a da Alma Mater, o Arcano II do tarot, a Sacerdotisa.
A polaridade das colunas da carta criada para o tarot do Waite pela artista plástica Pamela Colman Smith está representada não só nos elementos duplos, espelhados, rebatidos, que compõem o cenário da peça, mas também na na composição dos atores, onde o masculino e o feminino, dia e noite, positivo e negativo, yang e yin, claro e escuro, subconsciente e racional, bem e mal, razão e intuição, espírito e matéria, fogo e água simbolizam o principio da duplicação, base de toda reprodução.

O saber, o conhecimento universal, aquele que abrange o passado, presente e futuro, os mistérios e os segredos do divino e do humano, tudo esta registrado na fluídica mente dessa figura, que se mantém reservada, silenciosa, distanciada dos apelos e das distrações do mundo, no cumprimento de seu dever sagrado de ser o arquivo do Tempo.

Na carta do tarot Rider-Waite, sua coroa, um adereço que representa as cíclicas fases da lua, da natureza, das marés, conecta duas romãs que estão bordadas no véu que separa e resguarda o Santo dos Santos, de quem ela é a guardiã natural. Unindo Chokmah a Binah, liga polaridades e deflagra todo o processo de criação. Mesmo a cruz de braços de igual tamanho nos remete à ideia de encruzilhada, de possibilidades idênticas, ainda que antagônicas. Nesse sentido, associa-se à Hecate, deusa que residia nas distantes profundezas dos infernos e cujo culto a associava à lua, aos infernos e ao mar. Deusa de 3 faces, representando, simultaneamente, a virgem, a mãe e a senhora, sua visão é abrangente, pois pode ver 3 lados ao mesmo tempo, ou seja: pode ver o que aconteceu no passado que possa estar influenciando os acontecimentos presentes, os quais irão resultar nos eventos futuros. Era cultuada nas encruzilhadas (podemos compreender o porque das oferendas feitas, ainda hoje, por seitas e religiões diversas, em cruzamentos e encruzilhadas), pelos viajantes, para que os poupasse dos terrores e perigos da noite. Alguns cabalistas e tarólogos lhe atribuem, por isso, o valor da letra Gimel (camelo), como uma referência aos poderes associativos da mente, visto que podemos viajar, em nosso subconsciente,para onde desejarmos. Aliás, a expressão "viagem" popularizou-se como maneira de referir-se à expansão da consciência provocada pelas drogas alucinógenas.




Bastante explícita e provocativa foi a inclusão, à figura da recatada e silenciosa vestal, o personagem de um demônio que, saindo de suas pesadas vestes, se enrosca a seus pés. Nossos segredos mais temidos, aqueles que preferimos esconder, ignorar, aquilo que nos envergonha, que tememos confessar e admitir, esses também compartilham a mesma região obscura do que chamamos subconsciente. Como tudo o mais que precisamos saber, eles também nos aparecem em sonhos, em insights, pressentimentos, de forma intuitiva. São parte da infinita coleção de imagens e saberes que todos vivenciamos e compartilhamos. A sabedoria é feita de todo tipo de conhecimento e todos nos são úteis, em algum momento, seja para tomarmos uma simples e corriqueira decisão, ou para evitarmos uma catástrofe. Basta permitirmos que a intuição se sobreponha ao intelecto e a nossa verdade interior emerge.

Se volto a comparar ambas figuras, a da foto e a da carta, me permito pensar que parte dos escritos no livro, ou papiro, que a Sacerdotisa do tarot segura, devam conter o que a imagem da figura diabólica da foto expressa. A dualidade, Boaz e Joachin, a virgindade essencial da Sacerdotisa e suas possibilidades, tudo parece-me bem ilustrado pelo conjunto híbrido da foto.
Afinal, a consciência do Eu Maior é poder reconhecer-se em múltiplas facetas, enquanto uno.

Alex Tarólogo

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