quarta-feira, 20 de julho de 2016

FORMADORES DE OPINIÃO

                                     

Se há uma expressão dúbia e que muito se aproxima do pejorativo surgida na ultima década, freqüentemente usada pela imprensa, é a "formador de opinião". Com certeza você já a leu ou ouviu, em algum lugar, referindo-se a alguém a quem, por melhor definição, algumas pessoas consideram uma evolução do antigo "palpiteiro".
Sempre que a ouço me vem à lembrança a imagem invertida do Hierofante, ou Papa, o Arcano V do Tarot. Aquela figura que se propõe a ser um "lobbysta", um intermediário entre o profano e o sagrado, entre os deuses e os reles mortais. Perigoso como ele só, se auto-intitula um intérprete daquilo que os demais, sem a sua ajuda, seriam incapazes de entender.
Evidentemente essa figura sempre existiu, travestido de uma maneira ou outra, em todas as épocas e culturas. Sempre necessitou-se de alguém mais esclarecido que pudesse dar voz àquilo que os menos preparados deveriam saber. Encontramos essa criatura encarnada como um venerando e sábio mestre, um respeitado guru, um profissional cujo conhecimento abrevia a evolução dos demais, um orientador disposto a transformar a jornada do outro no caminho mais curto ao que lhe é importante e necessário saber, alguém que consiga ter uma visão clara da evolução da humanidade e possa, através de apropriadas reflexões e normas, ajudá-lá nesse processo. Esse é o Hierofante em seu melhor aspecto, quando suas mais brilhantes características ou qualidades estão à disposição da melhoria de condição de vida de muitos.
Mas, quando o lado obscuro desse personagem projeta sua sombra, cuidado! Cai por terra todo o humanitarismo, toda a generosidade das valiosas informações e conselhos. Desaparece o arauto do divino e surge o déspota, o maquiavélico manipulador de informações e consciências, aquele cujo conceito do que seja ética é o que expressa sua particular forma de pensar e favorece seus mais obscuros interesses.
Bom, mas essa deplorável figura não existiria se não fosse criada e elevada a essa posição. Ela, para existir, carece de séquito, de robozinhos dispostos a executarem seus mandos ou desmandos. O respeito que ela inspira não foi conquistado por méritos, mas atribuída por seus eleitores. Ele, o Hierofante mal dignificado, ocupa o cargo e usufrui dos benefícios porque essa posição lhe foi outorgada por seus párias, por gente que faz dele uma ampliação daquilo que são.
Bloggers, Snapchatters, Youtubers agregam milhares, e até milhões, de seguidores exibindo... suas vidas, ou seja, a ida com o cachorrinho à petshop, o tutorial de maquiagem, o depoimento sobre a dificuldade em manter um relacionamento (no caso, o dela / dele), a emoção de viajar mesmo não sabendo bem o que está vendo, a importância vital em saber comprar um artigo de luxo indispensável na vida de qualquer ser humano, etc, etc. Quando o "Fenômeno" estava no auge de sua carreira como jogador de futebol, quantos homens deixaram-se seduzir pelo seu estilo "Pinduca" e rasparam os cabelos, preservando apenas aquele topetinho? Talvez seja por esse tremendo sucesso e aprovação de público que um enciumado inglês de nome Beckham lançou o corte moicano para uma legião de outros torcedores, ou não, que independente de terem cabelos, idade e porte adequados ao corte, identificaram-se de imediato com o charme metrosexual do ídolo. E o que falar do poder do merchandising televisivo, que impinge aos consumidores mais incautos, ridículos modismos através dos personagens das novelas e afins?



Deve ser muito constrangedor à pessoa chamada, ou auto-intitulada, "formadora de opinião" perceber que seus seguidores são acéfalos. Só quem não tem opinião alguma, compra, empresta, copia, adere e usa a do outro como se sua fora. Só aquele, incapaz de refletir sobre a opinião alheia, compará-la com outras opções, verificar-lhe a origem, validade, qualidade e saber adptá-la às suas necessidades e interesses, à sua realidade enfim, é quem irá aumentar o séquito do pretenso dono de uma opinião a ser copiada.
Sempre achei a história do Flautista de Hamelin muito próxima à descrição dessas pessoas, esses Hierofantes de araque, que por um grande trabalho de marketing pessoal, por interesses dos mais escusos de uma determinada facção, ou por servirem de pobre inspiração para aqueles que não tem nenhuma, também se contentam e vangloriam em ter uma procissão de ratos, ou de inocentes, tolas, inexperientes e incautas criaturas, por hipnotizados acompanhantes. Vítimas do encantamento produzido pelos dons e talentos do flautista, sempre utilizados unicamente em beneficio de seus interesses pessoais, sejam eles financeiros ou de vingança, elas se deixam arrastar, em multidão, às profundezas do rio, onde encontram seu trágico fim. Esse metafórico afogamento nas escuras águas está a simbolizar a desilusão, o arrependimento, os sentimentos traídos.
Para ser mais gráfico, é aquela sensação de ridículo que a gente sofre quando, revendo o álbum de fotografias (se é que ainda existe isso) reconhece-se, por exemplo, usando boina, cavanhaque e bigode, a la Che Guevara, longe das selvas, mas na luta corporal para conseguir ser atendido no dia da inauguração do MacDonald's de um Shopping Center qualquer. Ou ofuscando completamente o magricelo noivo e perdida entre metros e metros de tafetá, envolta por rendas e babados em intermináveis camadas , que só fizeram ressaltar um corpo muito mais necessitado de um bom nutricionista e muitas horas de academia.
Opinião se forma colhendo de muitas fontes, de diversas procedências, com muita reflexão, deixando sedimentar aos poucos, nunca se permitindo acreditar ter encontrado uma resposta absoluta. Opinião é algo próprio, pessoal, que nos define e qualifica. Não pode ser postiça, ou nos faz umas verdadeiras e incautas "Maria-vai-com-as-outras". Não deve ser imposta e nem pode ser inflexível. Opinião deve ser a expressão de uma verdade individual, que serve perfeitamente a quem a possui e emite, mas que só se aperfeiçoa quando confrontada com outras. Quando isso não ocorre, pode virar Ato Institucional.
Daí então, adeus opiniões pessoais, autonomia, autoconhecimento, e salve, salve o Hierofante da vez!
Alex Tarólogo
http://simboloseimagens.blogspot.com

sexta-feira, 15 de julho de 2016

PENDURADO





PENDURADO

O jogo “da forca” é aquele em que, a cada letra errada para formar uma determinada palavra, o jogador vai acrescentando mais uma parte ao desenho que o representa. O que ele não pode, ou deve, deixar que aconteça, é cometer um número de erros suficiente que seu avatar iconográfico fique completo. O pior é que essa figurinha enquanto vai sendo completada, pelos erros do jogador, vai sendo enforcada. O Jogo começa com a corda, a estrutura do cadafalso e a “palavra secreta”.
A foto acima tem muito dessa brincadeira. O indivíduo vai criando marcas nas paredes, que talvez representem os dias em que está encarcerado ou, mesmo, os seus erros. Enquanto isso, vai-se formando, membro a membro, a figura a ser enforcada. E, note-se, o próprio homem já está com uma corda no pescoço...

Quase todas as vezes que observo as diversas representações artísticas do Arcano XII, o Pendurado (que muitos, devido a uma tradução literal do nome inglês dessa carta, o chamam de Enforcado), penso em situação semelhante à da imagem acima. Tudo nele me lembra um tempo forçado de reclusão. Uma época em que nada progride. Uma ameaça que a presente situação pode ainda piorar...
Se a origem da carta está, ou não, ligada a punições, ritos de passagem, à desmoralização, isso é pouco perto da maneira explícita que ela costuma ser ilustrada.

Sem dúvidas, ficar pendurado por uma perna deve ser, antes de mais nada, algo altamente doloroso. Uma tortura. Além do fato de que seria necessário um grande preparo físico, talvez o de um atleta olímpico, para a própria pessoa conseguir flexionar-se de livrar-se da amarra. Ainda assim corre o risco de cair de cabeça.




Tem-se que considerar também o fato de que, imobilizado, o sujeito não tem condições de exercitar seu direito de ir e vir, o seu livre arbítrio quanto às opções de onde estar. Como se isso já não fosse o suficiente, ficar numa situação inversa aos demais expõe o indivíduo ao escárnio alheio. Torna-se motivo de chacota. Tem sua autoestima aviltada. O Ego reduz-se a uma sombra do que já foi.
Ninguém opta por esse tipo de situação de boa vontade ou porque assim o quer, a não ser, é claro, aqueles que vivem de fazerem-se de “pobres vítimas de um destino cruel, enjeitados por todos, frutos do desprezo de um deus cruel”. Normalmente, quando nos vemos nesse triste papel de Pendurados, é porque não tínhamos outra opção. Temos que vive-lo, em sua extensão, esperando que, ao menos, sua duração seja breve e que possamos descobrir logo a "palavra oculta", a razão do porque estarmos envolvidos em tal episódio, e nos safarmos da corda que vai, como no jogo da forca, se apertando em nossos pescoços.

Eu me pergunto se, enquanto passamos por situações que nos limitam a ação, nos sufocam, que nos obrigam a rever toda uma filosofia de vida, que nos forçam a esperar por resultados que parecem nunca acontecer, se realmente acreditamos numa recompensa qualquer para esse tipo de, digamos, tortura. Quase todas as ilustrações que conheço desse Arcano, acrescentam um halo de luz, numa referência quase explícita à divindade ou à iluminação interior, no pobre coitado que balança pendurado pelo pé. Isso para nos recordar, penso eu, que todo sacrifício nos redime, eleva, nos torna melhores e deles saímos mais sábios, experientes, preparados, com um outro olhar sobre tudo e todos.
Pode mesmo ser isso, e eu espero sinceramente que assim o seja.

Alex Tarólogo

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terça-feira, 5 de julho de 2016

EGO







Creio ser essa uma das imagens mais interessantes que eu já tenha visto onde o conceito da Torre, a carta de número 19 do baralho Lenormand, parece estar graficamente bem representada. Torres sabemos serem construções elevadas, verticais, fálicas, que visam proporcionar um distanciamento do chão e uma proximidade maior com os céus. Sempre verdadeiras demonstrações da tecnologia, coragem, arrojo e ciência de cada época da evolução humana.

Foram, e ainda são, observatórios astronômicos. Serviram para manter as chamas, ou luzes, que guiavam, a lugar seguro, os barcos e seus tripulantes quando as noites eram tão escuras que não lhes permitia seguir as estrelas. Foram construídas para proteção e ataque, permitindo enxergar ao longe o acampamento inimigo e suas manobras, bem como distanciar-se do alcance de suas armas, mas surpreendendo-o com ataques aéreos. Foram prisões, celeiros e cofres inexpugnáveis. Abrigaram Rapunzéis de todas as eras das tentações da carne, nem sempre com sucesso, dependendo do comprimento de suas tranças e do tamanho de seus desejos... Foram alvos especialmente escolhidos para abomináveis ataques terroristas, pois representavam o tamanho do poderio e do orgulho de uma nação. Finalmente, a de Babel, mais personagem bíblica do que uma construção real, entretanto um exemplo de como a pretensão do homem em vir a conhecer, e portanto, igualar-se a seu deus, pode acabar em confusão e ruína pessoal.

Vivemos em torres, em nossos apartamentos aglomerados verticalmente, dividindo um mesmo espaço onde, tantas vezes, não conhecemos sequer nosso vizinho ao lado. É a solidão da grande cidade, a solidão coletiva, aquela na qual buscamos viver numa colmeia, porém alheios aos demais que conosco convivem.
Quando nos justificamos sobre a necessidade da preservação da nossa intimidade, talvez estejamos confessando o enorme medo de, ao nos comparar com o outro, percebermos que não somos tudo aquilo que pensamos ser. Talvez busquemos celas onde possamos nos acreditar protegidos em nossa presumida superioridade, onde nos sentimos "reis e "rainhas" dos nossos domínios. Talvez nos isolemos cada vez mais por temermos que descubram que somos ratos que rugem, como o pequeno Mágico de Oz. Talvez...

Mas se concordarmos em ver a Torre como um abrigo temporário, um plano mais elevado, com muitos degraus e pavimentos, de onde podemos avistar com mais acuidade e na sua totalidade o horizonte que nos cerca, uma construção de grossas paredes que nos permitem ouvir o próprio silêncio, então estaremos nos referindo à busca da paz, através do isolamento que permite uma melhor reflexão sobre as virtudes que podem nos conduzir ao êxito da empreitada.




Ela pode ser vista como a capa que abriga o Eremita, protegendo-o em sua filosófica busca interior. Também pode ser uma declaração pessoal de coragem e determinação como na Força, marcando, confiante, sua envergadura e posição nesta existência. Não posso deixar de vê-la como o misterioso e imaterial templo que abriga os saberes da Sacerdotisa, ou a ponte que liga os conhecimentos entre o divino e o humano, representados pelo Hierofante. Ou, quem sabe, a masmorra onde o Diabo mantém aprisionadas nas correntes do egocentrismo, suas arrogantes e ambiciosas vitimas.

Volto a admirar a gravura e lá está ela, humanizada em suas formas, austera, independente e dominadora, solidamente fundamentada na desértica paisagem, olhando-me do alto, importante, superior, confiante, crítica, desafiadora.
Reconhecemos-nos de imediato, e nos saudamos. Ela, somos todos nós.
Eu, você, ele, nós... Torres.

Alex Tarólogo

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